terça-feira, 5 de janeiro de 2021

SHAKESPEARE, MEU CONTERRÂNEO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Outro dia, depois de apreciar a obra “Romeu e Julieta”, num momento de lucidez, pensei com meus botões: “Shakespeare é meu conterrâneo e viveu a infância na minha terra natal”.  O nome do casal, protagonista do romance, era um codinome para não comprometer os personagens reais, que transitaram entre nós. Não pairava dúvida que se tratava de Marivaldo e Mytiko, sendo ela moradora na mesma rua que eu. Já Marivaldo, foi meu colega de classe na escola primária.

                        Vou narrar o que sucedeu com o casal, de minha infância interiorana, para que se compreenda que Shakespeare inspirou-se na história deles para criar seu romance épico, conhecido mundialmente e que se tornou um marco na literatura universal. Só quem viveu na terrinha conheceu o amor impossível entre Marivaldo e Mytiko. Portanto, conclui-se que William Shakespeare, nasceu na terrinha, a noroeste do Estado.

                        Lenda ou não, contavam nossos anciões que, durante a Segunda Guerra Mundial, os japoneses diziam: “Se o Japão ganhar a guerra, os brasileiros irão puxar carroça”. Certo é que Hiroshima e Nagasaki sepultaram aquele sonho. No entanto, os descendentes da terra do Sol Nascente traziam no peito aquele orgulho nipônico.

                        Quis o destino, que a vida de Marivaldo e Mytiko se cruzasse. Ainda nos corredores da escola primária, passaram a enamorar. A princípio, com troca de olhares e, depois, com discretas carícias. Mas cidade pequena sabe como é: nada fica escondido debaixo do lençol. Não demorou muito para que até os cachorros vira-latas soubessem daquele amor estonteante. Era bonito de se ver o jeito que trocavam olhares e carícias. Um verdadeiro roteiro, para um filme líder de bilheteria. Todos torciam por um “happy ending (final feliz)”.

                        Mas um dia, uma fofoqueira de plantão levou ao conhecimento do pai de Mytiko, que a filha andava bolinando com Marivaldo. Tal notícia macabra feriu de morte a honra de Hosokawa Hashimoto, pai Mytiko. Envergonhado, pensou em haraquiri (suicídio). “Como pode o giri no musuko (genro) puxar carroça?”, pensou entristecido o chichi (pai). Depois de abdicar do haraquiri, jurou a musume (filha) de morte. Acidade ficou dividida. De um lado, a colônia nipônica apoiava a família “Hashimoto”; do outro, os amigos de infância apoiavam a família “da Silva”, berço de Marivaldo da Silva. Também tinha a turma do deixa disso.

                        De boca em boca, o assunto virou manchete. Honra manchada, lava-se com sangue. O amor sincero escondeu-se da tirania de velhos conceitos e preconceitos. As pressões só fortaleciam o sentimento dos pombinhos apaixonados. Com passar do tempo, as ameaças acentuadas e o desespero tomaram conta do casal. Perder o grande amor jamais! Tomar uma decisão drástica, eis á solução. A cidade vivia a expectativa de um final feliz para história dantesca. Se Janete Clair fosse viva e soubesse do amor do casal, rabiscaria uma novela líder de audiência, no horário das vinte e uma.

                        Em data que não me recordo, a cidade acordou triste com o buchicho de que Marivaldo e Mytiko fugiram, para o fim do mundo, tomando rumo, que ninguém sabia. A fofoqueira de plantão sentiu remorso, mas já era tarde. Hosokawa não se entristeceu. Melhor perder a Mytiko do que quebrar uma tradição milenar, vinda das bandas do Oriente. Já para a família “da Silva”, terminara um pesadelo. Afinal de contas, para eles, a felicidade mora no coração de quem ama a pessoa desejada e não na autoridade de quem imagina ser dono dos nossos sentimentos.

                        Guilherme Valadares, vulgo William Shakespeare, nasceu e cresceu comigo ali, na Rua Rui Barbosa, em Guaimbê SP, minha terra natal, na Noroeste do Estado. Portanto, vivenciou comigo tudo que vi e vivi na infância. Ele também teve um amor platônico, bem sei. Dizem os historiadores, que ele era oriundo de Stratford-upon-Avon, interior da Inglaterra. Lorota, apenas lorota. Só não é lorota a história de Marivaldo e Mytiko, na qual “Gui”, meu conterrâneo, se inspirou para escrever “Romeu e Julieta”.

                        The End (O Fim).

 

Peruíbe SP, 04 de janeiro de 2021.

 

Um comentário:

Unknown disse...

Maravilhoso texto, parabens por seus poemas lindos, gratidao!