Adão de Souza
Ribeiro
Outro dia, depois de apreciar a obra “Romeu
e Julieta”, num momento de lucidez, pensei com meus botões: “Shakespeare
é meu conterrâneo e viveu a infância na minha terra natal”. O nome do casal, protagonista do romance, era
um codinome para não comprometer os personagens reais, que transitaram entre
nós. Não pairava dúvida que se tratava de Marivaldo e Mytiko, sendo ela
moradora na mesma rua que eu. Já Marivaldo, foi meu colega de classe na escola
primária.
Vou narrar o que sucedeu com o casal, de
minha infância interiorana, para que se compreenda que Shakespeare inspirou-se
na história deles para criar seu romance épico, conhecido mundialmente e que se
tornou um marco na literatura universal. Só quem viveu na terrinha conheceu o
amor impossível entre Marivaldo e Mytiko. Portanto, conclui-se que William
Shakespeare, nasceu na terrinha, a noroeste do Estado.
Lenda ou não, contavam nossos anciões que,
durante a Segunda Guerra Mundial, os japoneses diziam: “Se o Japão ganhar a guerra, os
brasileiros irão puxar carroça”. Certo é que Hiroshima e Nagasaki
sepultaram aquele sonho. No entanto, os descendentes da terra do Sol Nascente
traziam no peito aquele orgulho nipônico.
Quis o destino, que a vida de Marivaldo e
Mytiko se cruzasse. Ainda nos corredores da escola primária, passaram a
enamorar. A princípio, com troca de olhares e, depois, com discretas carícias.
Mas cidade pequena sabe como é: nada fica escondido debaixo do lençol. Não
demorou muito para que até os cachorros vira-latas soubessem daquele amor
estonteante. Era bonito de se ver o jeito que trocavam olhares e carícias. Um
verdadeiro roteiro, para um filme líder de bilheteria. Todos torciam por um
“happy ending (final feliz)”.
Mas um dia, uma fofoqueira de plantão levou
ao conhecimento do pai de Mytiko, que a filha andava bolinando com Marivaldo. Tal
notícia macabra feriu de morte a honra de Hosokawa Hashimoto, pai Mytiko. Envergonhado,
pensou em haraquiri (suicídio). “Como pode o giri no musuko (genro)
puxar carroça?”, pensou entristecido o chichi (pai). Depois de
abdicar do haraquiri, jurou a musume (filha) de morte. Acidade ficou
dividida. De um lado, a colônia nipônica apoiava a família “Hashimoto”; do
outro, os amigos de infância apoiavam a família “da Silva”, berço de Marivaldo
da Silva. Também tinha a turma do deixa disso.
De boca em boca, o assunto virou manchete.
Honra manchada, lava-se com sangue. O amor sincero escondeu-se da tirania de
velhos conceitos e preconceitos. As pressões só fortaleciam o sentimento dos
pombinhos apaixonados. Com passar do tempo, as ameaças acentuadas e o desespero
tomaram conta do casal. Perder o grande amor jamais! Tomar uma decisão
drástica, eis á solução. A cidade vivia a expectativa de um final feliz para história
dantesca. Se Janete Clair fosse viva e soubesse do amor do casal, rabiscaria
uma novela líder de audiência, no horário das vinte e uma.
Em data que não me recordo, a cidade acordou
triste com o buchicho de que Marivaldo e Mytiko fugiram, para o fim do mundo,
tomando rumo, que ninguém sabia. A fofoqueira de plantão sentiu remorso, mas já
era tarde. Hosokawa não se entristeceu. Melhor perder a Mytiko do que quebrar uma
tradição milenar, vinda das bandas do Oriente. Já para a família “da Silva”, terminara
um pesadelo. Afinal de contas, para eles, a felicidade mora no coração de quem
ama a pessoa desejada e não na autoridade de quem imagina ser dono dos nossos
sentimentos.
Guilherme Valadares, vulgo William
Shakespeare, nasceu e cresceu comigo ali, na Rua Rui Barbosa, em Guaimbê SP, minha
terra natal, na Noroeste do Estado. Portanto, vivenciou comigo tudo que vi e
vivi na infância. Ele também teve um amor platônico, bem sei. Dizem os
historiadores, que ele era oriundo de Stratford-upon-Avon, interior da
Inglaterra. Lorota, apenas lorota. Só não é lorota a história de Marivaldo e Mytiko,
na qual “Gui”, meu conterrâneo, se inspirou para escrever “Romeu
e Julieta”.
The End (O Fim).
Peruíbe SP, 04
de janeiro de 2021.
Um comentário:
Maravilhoso texto, parabens por seus poemas lindos, gratidao!
Postar um comentário