terça-feira, 7 de junho de 2011

LA NOSTRA COSA

Não que eu seja de todo bronco. Sei que o progresso bateu à minha porta e que preciso acompanhar a evolução dos tempos. Por isso, mesmo que forçosamente, preciso envergar diante das mudanças, mesmo que isso vá contra aos meus princípios morais e éticos. Mas tem coisas que não consigo entender.
Nem mesmo Osvaldo de Souza, com sua ciência exata, convence-me de que estou errado na maneira de pensar sobre o que acontece na minha cidade. Talvez eu tenha tido uma infância diferenciada ou uma escola arcaica e, em razão disso, sou meio arredio e não aceito coisas da modernidade. Às vezes sofro e me envelheço aos poucos.
Aprendi ao longo da vida, que cada um sabe a alegria e a tristeza de ser o que é. Não me esqueço de um adágio popular que diz: “Quem planta vento, colhe tempestade”. Por isso, é certo de que existe a lei do retorno. Debruçado sob essas vãs filosofias, contemplo os acontecimentos pitorescos de minha cidade provinciana. Vejo que a nuvem da ignorância paira sobre ela e que é varrida pela poeira ostracismo.
Se tem algo que não aceito, é hipocrisia e falso moralismo. Sem qualquer pitada de censura, a sociedade e as pessoas precisam aceitar o mundo como ele é, ou seja, com todas suas virtudes e imperfeições. Não podemos virar as costas para a verdade e a realidade que nos cercam. Podemos mentir para o mundo, porém, jamais para nós mesmos. Como uma criança órfã do colo materno, choro pela dor daqueles que buscam amparo no poder público e não encontram.
Em cada esquina, cruzo com pessoas clamando por moradia, educação, saúde, alimento, segurança e outras tantas bagatelas. Na pureza de suas almas, mendigam restos de comida, casas escoradas pelo abandono, proteção fictícia, cultura banida do dicionário, cura dos males do corpo e do espírito. É triste saber, que para os políticos e os poderosos, o povo é apenas massa de manobra. Para os mandatários do município, o sentimento do munícipe, é representado apenas, pelo voto na urna. Depois do sufrágio, nada mais importa.
Como toda cidade tem dono, a minha não foge a regra. Temos um “capo”, que comanda “ii segreto della nostra cosa”. A partir daí, os escândalos são rotineiros e o temor de represálias contra aqueles que não participam do clã, fazem com que o silêncio cale o sonho de progresso e harmonia da população. Esse comando cria tentáculos e deles, beneficiam seus asseclas. A moral, a ética, a cidadania são banidas do dicionário caiçara.
Os contratos escusos, emanados de licitações fraudulentas; o enriquecimento ilícito, nascido das propinas de gabinete, o puxa-saquismo representado pelo abre e fecha das maçanetas, mancham as paginas da história de uma cidade simples, amada por um povo simples e que sonham com um futuro simplório. As pessoas trabalhadoras e honestas são simples, porque no coração delas, não habitam a maldade e a ganância.
Não que eu seja de todo bronco. Mas calar-se diante de tantos desmandos, é ser cúmplice da bancarrota de uma cidade que anseia pelo progresso. Temos necessidades urgentes e que clamam por soluções urgentíssimas. Não podemos ficar reféns da voracidade de poucos e da inércia de um povo que nasceu com o direito de ser feliz. Por isso, não arredo o pé, diante da obrigação dos poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário), de defenderem os interesses do bem comum, mesmo que isso vá de encontro aos interesses particulares (políticos e empresários inescrupulosos).
Não que eu seja de todo bronco. Mas é como disse o meu amigo Che Guevara: “Há que endurecer-se sempre, mas perder a ternura, jamais”.

Peruíbe SP, 07 de maio de 2011

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