sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

OS VIOLEIROS

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                   Todo sábado era assim. Uma mistura de saudade e alegria. Quem viveu aquele tempo áureo, não há como esquecer jamais. Eu tive o privilégio de tal façanha, por isso, tenho história para contar. Tenho honra de compartilhar com assíduos leitores e saudosos conterrâneos.

                   Dentre tantas lembranças, os olhos vão às lágrimas, ao falar dos velhos violeiros, quando se reuniam nos bares da Terrinha. No sábado, a cidade se transformava com o fervurinho de pessoas, que chegavam das fazendas e sítios da redondeza. Ali faziam a despesa (compra) da semana e aproveitavam para se reunirem, tomarem a sagrada cachaça, cantarem e jogarem conversa fora.

                   O Mori, Iway, Anami, Toshi, Takada, Otávio, Josias, Waldemar Pague-Menos, Achilles, Josias, João Menino, Raul Ansanelo, David Ansanello, os Miotelo, Içô, Arlindo, Siqueira, Zanelatto, Gramostin, David Ferreira, Sanda, Zeca da Farmácia, os Abraão, antigos comerciantes do lugarejo, riam à toa. O dinheiro circulava livremente. Não me lembro de brigas ou desavenças entre as pessoas. Era grande o trânsito de cavalos arriados, charretes, carroças, taxis e tratores.

                   Hoje, entristece-me ao ver as portas de todo comércio cerradas. Eu tenho sensação de que a cidade morreu e escafedeu. O lugar tornou-se taciturno e não há mais aquela beleza de outrora. Ainda bem que não se perdeu na memória, a imagem dos talentosos violeiros.

                   Eles faziam via sacra por todos bares e, em especial, no “Bar do João Menino’. Dentre tantos amigos cantadores, haviam o Germano Belmiro, Sebastião Belmiro, Jorgão Arrothéia, Teta, Dizão, Filintro, Nivaldinho, Facão, Ju, Mané Reis, Zé Pereira, Lauro e por aí se vai. As vezes cantavam em solo, dupla ou trio. Violão, viola, sanfona, gaita, eram os instrumentos que acompanham as vozes tão afinadas.

                   As modas, cuja letra retratava a natureza, o sertão, o costume do roceiro, as aventuras do caboclo, o amor não correspondido, adocicavam os ouvidos do espectador. E eu, ficava horas e horas ali a me embriagar com tanto talento dos violeiros. Hoje é apenas um quadro pendurado na parede do passado. Isso dói e como dói!

                   A viola de pinho, ao ser dedilhada com carinho, que acompanhada com as vozes dos cantadores, transportava as pessoas à beleza de um mundo transcendental. Naquela época não havia uma mídia castradora de valores e que fabricava cantadores, sem um dom refinado para tal.

                   Apresentavam modas de artista renomados, tais como, Tião Carreiro & Pardinho, Tonico & e Tinoco, Liu & Leo, Zilo & Zalo, Cacique & Pagé, Zé do Rancho & Mariazinha, Pedro Bento & Zé da Estrada, Trio Parada Dura, Mato Grosso & Mathias, Zé Tapera & Teodoro. Ou, às vezes, cantavam modas de composição própria. Tudo era embalado com muitos copos de cachaça, cerveja e comes e bebes. Não tinha hora para terminar.

                        Além de alegrar a cidade, resgatavam as tradições e costumes de um povo pobre. Os festivais de moda de viola, eram realizados no antigo cinema, onde, um dia, foi a igreja. O evento contava com vários artistas do lugarejo, bem como, de toda a redondeza. E do público fiel, claro!

                   ´Todo sábado não é mais assim. Ele se foi, assim como se foi o tempo. Os bares já não cantam as alegrias sertanejas e o progresso chora o que não existe mais. E eu, um saudosista incurável, procuro dizer à posteridade que hoje tudo aquilo, não passou de um sonho guardado no baú da memória.

                   No palco da vida, fecharam-se as cortinas e terminou o espetáculo, para nunca mais.

 

Peruíbe SP, 17 de fevereiro de 2023.

 

 

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