Adão de Souza
Ribeiro
Todo sábado era assim. Uma mistura de saudade e
alegria. Quem viveu aquele tempo áureo, não há como esquecer jamais. Eu tive o
privilégio de tal façanha, por isso, tenho história para contar. Tenho honra de
compartilhar com assíduos leitores e saudosos conterrâneos.
Dentre tantas lembranças, os olhos vão às
lágrimas, ao falar dos velhos violeiros, quando se reuniam nos bares da
Terrinha. No sábado, a cidade se transformava com o fervurinho de pessoas, que
chegavam das fazendas e sítios da redondeza. Ali faziam a despesa (compra) da
semana e aproveitavam para se reunirem, tomarem a sagrada cachaça, cantarem e jogarem
conversa fora.
O Mori, Iway, Anami, Toshi, Takada, Otávio,
Josias, Waldemar Pague-Menos, Achilles, Josias, João Menino, Raul Ansanelo, David Ansanello, os Miotelo, Içô,
Arlindo, Siqueira, Zanelatto, Gramostin, David Ferreira, Sanda, Zeca da Farmácia, os Abraão, antigos
comerciantes do lugarejo, riam à toa. O dinheiro circulava livremente. Não me
lembro de brigas ou desavenças entre as pessoas. Era grande o trânsito de
cavalos arriados, charretes, carroças, taxis e tratores.
Hoje, entristece-me ao ver as portas de todo
comércio cerradas. Eu tenho sensação de que a cidade morreu e escafedeu. O
lugar tornou-se taciturno e não há mais aquela beleza de outrora. Ainda bem que
não se perdeu na memória, a imagem dos talentosos violeiros.
Eles faziam via sacra por todos bares e, em
especial, no “Bar do João Menino’. Dentre tantos amigos cantadores, haviam o
Germano Belmiro, Sebastião Belmiro, Jorgão Arrothéia, Teta, Dizão, Filintro,
Nivaldinho, Facão, Ju, Mané Reis, Zé Pereira, Lauro e por aí se vai.
As vezes cantavam em solo, dupla ou trio. Violão, viola, sanfona, gaita, eram
os instrumentos que acompanham as vozes tão afinadas.
As modas, cuja letra retratava a natureza, o
sertão, o costume do roceiro, as aventuras do caboclo, o amor não
correspondido, adocicavam os ouvidos do espectador. E eu, ficava horas e horas
ali a me embriagar com tanto talento dos violeiros. Hoje é apenas um quadro
pendurado na parede do passado. Isso dói e como dói!
A viola de pinho, ao ser dedilhada com carinho,
que acompanhada com as vozes dos cantadores, transportava as pessoas à beleza
de um mundo transcendental. Naquela época não havia uma mídia castradora de
valores e que fabricava cantadores, sem um dom refinado para tal.
Apresentavam modas de artista renomados, tais
como, Tião Carreiro & Pardinho, Tonico & e Tinoco, Liu & Leo, Zilo
& Zalo, Cacique & Pagé, Zé do Rancho & Mariazinha, Pedro Bento
& Zé da Estrada, Trio Parada Dura, Mato Grosso & Mathias, Zé Tapera
& Teodoro. Ou, às vezes, cantavam modas de composição própria. Tudo era
embalado com muitos copos de cachaça, cerveja e comes e bebes. Não tinha hora
para terminar.
Além de alegrar a cidade, resgatavam as tradições e costumes de um povo pobre. Os festivais de moda de viola, eram realizados no antigo cinema, onde, um dia, foi a igreja. O evento contava com vários artistas do lugarejo, bem como, de toda a redondeza. E do público fiel, claro!
´Todo sábado não é mais assim. Ele se foi, assim
como se foi o tempo. Os bares já não cantam as alegrias sertanejas e o
progresso chora o que não existe mais. E eu, um saudosista incurável, procuro
dizer à posteridade que hoje tudo aquilo, não passou de um sonho guardado no
baú da memória.
No palco da vida, fecharam-se as cortinas e
terminou o espetáculo, para nunca mais.
Peruíbe SP, 17 de
fevereiro de 2023.
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