segunda-feira, 23 de abril de 2018

CASA, MINHA CASA


                              Lembro-me com saudades de um tempo ainda não muito distante. Como numa película de cinema, revejo cada cena de minhas andanças, pelas ruas descalças da infância. Sem preocupações com o tempo, corria para lá e para cá, em brincadeiras intermináveis. Minhas traquinagens, às vezes, se estendiam noite adentro. De vez em quando, ouvia os gritos de minha mãe: “Vem pra dentro, menino, já é tarde”. 

                                   Guardo na memória a imagem dos amigos, que povoaram a minha tenra idade. As cantigas de roda, os jogos de burquinha (bola de gude), as longas histórias, contadas pelos meus avós, velhas canções de ninar, os banhos nas cachoeiras de águas cristalinas, o bodoque, o estilingue, as arapucas para apanhar pássaros distraídos. Tudo isso, não sai da minha memória. Saudade de tudo e de todos. Tempo que não volta mais!

                                   A casa, envelhecida pelo tempo, guarda um tesouro inestimável. Foi ali que aprendi o sentido exato da palavra família. Meu pai, com seu jeito sisudo e minha mãe, com sua voz baixa e compassada, mostravam-me a ambiguidade da vida. E, assim, aos poucos, fui me acostumando a lidar com as procelas do cotidiano. Cresci e amadureci, nem tento. Porque a raiz do nosso tempo, fica impregnada na nossa alma e no nosso coração.

                                   Mas a casa, a velha casa, com sua roupa desbotada, as janelas e as portas escancaradas para o horizonte, dizia-me que a vida não tem barreiras e nem distâncias. O silêncio do seu interior, sussurrava aos meus ouvidos, coisas que um futuro não muito distante, colocaria defronte meus olhos ainda inocentes. Nascemos para o mundo e não para ficarmos presos a passados remotos.

                                   Por isso, quando vejo a foto amarelada da minha velha casa, pendurada na parede, desgastada pelo tempo, lacrimejam meus olhos. Às vezes, eles lacrimejam de saudade e, na maioria das vezes, de tristeza, por saber que eu cresci e dela me apartei, sem ao menos me despedir. Mas, em que pese minha ingratidão, ela continua lá, encravada na minha terra natal, esperando por mim.

                                   Parece que, de vez em quando, suas portas e janelas se fecham, para chorar em silencio, a minha ausência. Lá na chaminé, um tufo de fumaça, anuncia a agonia que emana daquela casa centenária, que abrigou toda a minha família e toda a minha história. Para os outros, é uma casa carcomida pelo tempo, mas, para mim, é um álbum de família, guardando em seus cômodos, um sonho que ainda não acabou.

                                   Vejo lá dentro, uma lamparina de querosene, com a chama quase apagando e piscando para mim. Na realidade, é a chama da esperança, de que nem tudo está perdido, nem tudo é passado. Um dia, vou voltar à velha casa e dar um abraço e um beijo infinito. Um sentimento de quem nunca perdeu a essência da simplicidade. 

                                   Casa, minha casa, quanta saudade de ti!
Peruíbe SP, 23 de abril de 2018

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