Lembro-me com
saudades de um tempo ainda não muito distante. Como numa película de cinema,
revejo cada cena de minhas andanças, pelas ruas descalças da infância. Sem
preocupações com o tempo, corria para lá e para cá, em brincadeiras
intermináveis. Minhas traquinagens, às vezes, se estendiam noite adentro. De
vez em quando, ouvia os gritos de minha mãe: “Vem pra dentro, menino, já é
tarde”.
Guardo na memória a imagem dos
amigos, que povoaram a minha tenra idade. As cantigas de roda, os jogos de
burquinha (bola de gude), as longas histórias, contadas pelos meus avós, velhas
canções de ninar, os banhos nas cachoeiras de águas cristalinas, o bodoque, o
estilingue, as arapucas para apanhar pássaros distraídos. Tudo isso, não sai da
minha memória. Saudade de tudo e de todos. Tempo que não volta mais!
A casa, envelhecida pelo tempo,
guarda um tesouro inestimável. Foi ali que aprendi o sentido exato da palavra
família. Meu pai, com seu jeito sisudo e minha mãe, com sua voz baixa e
compassada, mostravam-me a ambiguidade da vida. E, assim, aos poucos, fui me
acostumando a lidar com as procelas do cotidiano. Cresci e amadureci, nem
tento. Porque a raiz do nosso tempo, fica impregnada na nossa alma e no nosso
coração.
Mas a casa, a velha casa, com sua
roupa desbotada, as janelas e as portas escancaradas para o horizonte, dizia-me
que a vida não tem barreiras e nem distâncias. O silêncio do seu interior,
sussurrava aos meus ouvidos, coisas que um futuro não muito distante, colocaria
defronte meus olhos ainda inocentes. Nascemos para o mundo e não para ficarmos
presos a passados remotos.
Por isso, quando vejo a foto
amarelada da minha velha casa, pendurada na parede, desgastada pelo tempo,
lacrimejam meus olhos. Às vezes, eles lacrimejam de saudade e, na maioria das
vezes, de tristeza, por saber que eu cresci e dela me apartei, sem ao menos me
despedir. Mas, em que pese minha ingratidão, ela continua lá, encravada na
minha terra natal, esperando por mim.
Parece que, de vez em quando, suas
portas e janelas se fecham, para chorar em silencio, a minha ausência. Lá na
chaminé, um tufo de fumaça, anuncia a agonia que emana daquela casa centenária,
que abrigou toda a minha família e toda a minha história. Para os outros, é uma
casa carcomida pelo tempo, mas, para mim, é um álbum de família, guardando em
seus cômodos, um sonho que ainda não acabou.
Vejo lá dentro, uma lamparina de
querosene, com a chama quase apagando e piscando para mim. Na realidade, é a
chama da esperança, de que nem tudo está perdido, nem tudo é passado. Um dia,
vou voltar à velha casa e dar um abraço e um beijo infinito. Um sentimento de
quem nunca perdeu a essência da simplicidade.
Casa, minha casa, quanta saudade
de ti!
Peruíbe SP, 23 de
abril de 2018
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