Não foi por falta
de aviso. Ao invés de ouvir os conselhos de seus súditos fiéis ou dos gritos
das ruas, a Rainha preferiu dar ouvidos aos asseclas e bajuladores. Ignorou os
pensadores da corte e dormiu no colo dos piratas do reino. Louca pelo poder e
despreparada para o comando, deixou-se levar por uma trupe de oportunistas e de
péssima índole. Chamou para compor o ministério, uma corja de ladrões e
estelionatários. Concedeu títulos de nobreza a quem não merecia.
Foi assim que, aos poucos, após a coroação, a
monarca acabou caindo em desgraça pessoal e em descrédito perante a nação. A
economia naufragou num mar de lama. As províncias nada produziam, gerando
desemprego e fome. Havia ruas descalças e buracos aqui e acolá, mais que na
camada de ozônio. Falta de iluminação, mato e lixo por toda parte, um reino
entregue às moscas. O Palácio Real, com suas paredes opacas, há muito deixou de
ser um cartão postal.
Não bastasse isso, as perseguições contra as
pessoas de bem, por parte de seus asseclas, entristeciam o reino. Não fora atoa
que o Reino Caiçara distanciou-se dos reinos vizinhos e além-mar. O povo
saudosista não se esqueceu, quando da ascensão da monarca ao trono. Tempos idos
aqueles, em que se vendeu um mundo encantado, um conto de fadas. Ao dirigir-se
à nação, da sacada do palácio, prometeu cumprir e fazer cumprir as leis,
emanadas da constituição. Disse que reergueria das cinzas, um reino falido,
deixado pela monarquia anterior.
Não foi por falta de aviso. Por diversas
vezes, os conselheiros do reino, em razão do descontentamento geral, mostraram
o caminho da abdicação do trono. Preferiu dar ouvidos às sanguessugas do poder
e caminhar sozinha rumo ao desterro da história por ela escrita. Os bajuladores
foram os primeiros a bateram em retirada, como aves de rapina, quando da falta
de alimento. Triste fim de uma monarca louca e incompetente. Deixar o palácio
pelas portas do fundo era, antes de tudo, uma humilhação sem precedentes na
história centenária do reino.
Mas nem tudo está perdido. Assim como na
natureza, tudo se renova. Se a Rainha não quis abdicar do trono, quando lhe foi
dada a oportunidade, agora é tarde. Por força de lei, ela deixará o trono no
final do ano, ao apagar das luzes. O povo não mais dorme no berço da
ignorância. Basta dizer que o Parlamento, por decisão através do voto
universal, foi renovado em oitenta por cento. Embora digam que um terço do novo
Parlamento pertence ao grupo do antigo Primeiro-Ministro; outro terço, a um
candidato derrotado ao reino e o outro terço, a um rei deposto há muito tempo,
a assertiva não prospera.
O certo é que já temos um novo rei, eleito e
aclamado pelo povo. Mais uma vez, o sonho e a esperança se renovam. Deseja a
nação, que o rei eleito não nos jogue no calabouço do desmando administrativo,
como fez a rainha, ora deposta pela vontade popular. É certo que de boas
intenções, o inferno está cheio. Os tabloides matutinos, já estampam em
primeira página, palavras do novo governante, sobre suas intenções como
monarca. Algumas de suas primeiras atitudes soam como medidas paliativas, o que
nos causam preocupações. Mas isso será debatido depois, num momento oportuno.
Não deve esquecer o novo monarca, que os
súditos já têm suas convicções pessoais, em razão da convivência num reino
sucateado e desacreditado. Vossa majestade não pode estar presa a pessoas
inescrupulosas, parlamento corrupto, suprema corte ineficaz. Se assim agir, correrá
o risco de ser jogado no mesmo desterro da rainha louca e incompetente. Pode
ser banido da história e deixar o reino pelas portas do fundo, numa triste
humilhação. A nomeação do primeiro escalão do novo governo delineia a sua
trajetória vindoura.
Mas quanto à rainha, pouco resta a
dizer. Solitária e rejeitada pelo povo, seguirá seu caminho, rumo ao
despenhadeiro do esquecimento. Um dia, ao ser deposto pelo congresso, um
governante do sistema republicano, disse: “O poder é solitário”. Quando o destino
o leva para a guilhotina, o governante irá só, sem seus bajuladores e asseclas.
Ao
observar uma cena desoladora, vendo a rainha caminhar cabisbaixa pela estrada
solitária do reino, só nos resta dizer pesarosos: “Adeus, minha rainha, adeus!”
Peruíbe SP, 01
de dezembro de 2016
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