sexta-feira, 15 de março de 2019

OS "ÓLOGOS" DE PLANTÃO

Adão de Souza Ribeiro

                                   No tempo da minha infância, que já vai muito longe, não havia tempo para ti ti e nem lero lero. Embora fosse uma época tranquila, isso em todos os sentidos, as pessoas conduziam a mente e o corpo ocupados com os afazeres do cotidiano. Eu, ainda gatinhando para a vida, já tinha compromissos a serem cumpridos, logo ao amanhecer. No entanto, os meus pais e as pessoas adultas, nem dormiam direito, pensando na labuta do dia seguinte e nos boletos a serem quitados, no único Banco Financeiro do lugarejo.
                                   Em razão da rotina, diante da luta desenfreada para sobreviver, nem se davam conta de que já anoitecia. As pessoas cansadas procuravam recolher-se ao aconchego do lar, onde buscavam recompor suas energias. Ainda durante o dia, eu ficava ali, observando as pessoas com enxada nas costas, a marmita no embornal, o chapéu de palha, a alpercata nos pés, indo trabalhar na lavoura. Também observava as crianças vencendo a cerração matutina, rumo ao grupo escolar, com suas mochilas carregadas de sonho e esperança de um mundo melhor.
                                   Para descontrair, os homens jogavam bola, pescavam, dançavam, namoravam na praça matriz; as mulheres reuniam-se com as amigas, rezavam na igreja, participavam de quermesse, namoravam e dançavam. Por outro lado, as crianças e os adolescentes, perdiam-se em brincadeiras infantis, como cantigas de roda, pula corda, esconde-esconde, bolas de gude, passa anel, guerras de mamonas e por aí se vai. Na cidade, apenas quatro lares tinham televisão. Por isso, não se trancavam em casa e, em noites enluaradas, buscavam nas calçadas, passatempos sem maldades.
                                   No tempo de minha infância, que já vai muito longe, os pais, professores e pessoas idosas, eram tratados com amor e respeito. A autoridade nascia do jeito simples de educar e não de mídias corrompidas pela depravação. O padre tradicional, falava de fé e de obediência, pregando a sabedoria da religião e não ideologias improdutivas. Os políticos buscavam o bem comum e, por isso, cuidavam da cidade com carinho e responsabilidade. O alcaide, o juiz, o padre e o delegado, em razão de suas condutas ilibadas, eram amados e respeitados.
                                   Na escola, berço do conhecimento, o diretor, o inspetor e os professores, eram rigorosos na disciplina do ensinar e do aprender. Uniforme impecavelmente passado, horário britânico para entrada e saída, tarefas extras para casa, ensino e respeito aos hinos e símbolos nacionais, amor e respeito ao corpo docente e aos colegas, eram regras básicas a serem seguidas. Tudo aquilo era precedido da obediência irrestrita aos pais. Porque o lar era, antes de tudo, a primeira noção de sociedade.
                                   Depois da aula, os filhos acompanhavam os pais nos afazeres do cotidiano e ali aprendia que se comia com o suor do próprio rosto e não com o sangue e sacrifício alheio. As crianças conviviam harmoniosamente entre si e não eram tragadas por uma enxurrada de informações desconexas e perversas, trazidas na velocidade da luz, por fibras óticas ou satélites intergalácticos. Os alimentos eram naturais, colhidos na lavoura ou no quintal de casa. Por isso, a vida saudável, não era ceifada por doenças enlatadas. Era lindo de se ver o amanhecer e o entardecer naquele meu rincão longínquo e tranquilo. Tínhamos orgulho de sermos chamados de caipira.
                                   A grade da pequenina cela da cadeia vivia escancarada, porque a violência morava muito longe da minha terra natal. De vez em quando, os meganhas levava um bêbado arruaceiro, para curar a ressaca ali. O carcereiro era um cachorro magricelo e vira-lata, que tinha preguiça até de latir ou rosnar. A viatura era um fusquinha, carinhosamente chamado de “Baratinha”, que vivia estacionado ao lado. Por falta do que fazer, envelhecia na garagem, corroído pelo tempo.
                                   As desavenças, fossem de boteco ou conjugal, eram resolvidas com um pito do vigário e com isso, o delegado não passava de uma figura decorativa. Naquele tempo, as tragédias modernas não faziam ninho ali. Não se gastava uma pataca com pessoas neuróticas e nem com pessoas presas, porque gente desse tipo nascem de famílias desestruturadas, escolas em decadências e igrejas que só se preocupam, em vender a salvação.
                                   Hoje, o que se vê depois das grandes tragédias anunciadas é uma legião de “ólogos” de plantão. Todos trazem no alforje, longas e cansativas teorias sobre o porquê do início e da existência do caos, para, depois, apresentarem soluções mirabolantes com a finalidade de sangrar e curar definitivamente o problema. Dormem em cima de suas filosofias insanas e sonham com um mundo surreal. Assim agem, para fugirem de suas obrigações primitivas de evitarem uma tragédia anunciada.
                                   Os ”òlogos” de que tanto falo, são os psicólogos, musicólogos, tarólogos, sexólogos, achólogos, teólogos, arqueólogos, ufólogos, biólogos, sociólogos, tecnólogos, antropólogos, futurólogos e todos os “ólogos”, que existem ou que caibam no nosso humilde dicionário da língua portuguesa. Deus me livre desses demagogos. Amém, para você também!

Peruíbe SP, 15 de março de 2019.

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