Adão de Souza
Ribeiro
No tempo da minha
infância, que já vai muito longe, não havia tempo para ti ti e nem lero lero.
Embora fosse uma época tranquila, isso em todos os sentidos, as pessoas
conduziam a mente e o corpo ocupados com os afazeres do cotidiano. Eu, ainda
gatinhando para a vida, já tinha compromissos a serem cumpridos, logo ao
amanhecer. No entanto, os meus pais e as pessoas adultas, nem dormiam direito,
pensando na labuta do dia seguinte e nos boletos a serem quitados, no único
Banco Financeiro do lugarejo.
Em razão da rotina, diante da luta
desenfreada para sobreviver, nem se davam conta de que já anoitecia. As pessoas
cansadas procuravam recolher-se ao aconchego do lar, onde buscavam recompor
suas energias. Ainda durante o dia, eu ficava ali, observando as pessoas com
enxada nas costas, a marmita no embornal, o chapéu de palha, a alpercata nos
pés, indo trabalhar na lavoura. Também observava as crianças vencendo a
cerração matutina, rumo ao grupo escolar, com suas mochilas carregadas de sonho
e esperança de um mundo melhor.
Para descontrair, os homens
jogavam bola, pescavam, dançavam, namoravam na praça matriz; as mulheres
reuniam-se com as amigas, rezavam na igreja, participavam de quermesse,
namoravam e dançavam. Por outro lado, as crianças e os adolescentes, perdiam-se
em brincadeiras infantis, como cantigas de roda, pula corda, esconde-esconde,
bolas de gude, passa anel, guerras de mamonas e por aí se vai. Na cidade,
apenas quatro lares tinham televisão. Por isso, não se trancavam em casa e, em
noites enluaradas, buscavam nas calçadas, passatempos sem maldades.
No tempo de minha infância, que já vai muito longe, os pais, professores e pessoas idosas, eram tratados com amor e
respeito. A autoridade nascia do jeito simples de educar e não de mídias
corrompidas pela depravação. O padre tradicional, falava de fé e de obediência,
pregando a sabedoria da religião e não ideologias improdutivas. Os políticos
buscavam o bem comum e, por isso, cuidavam da cidade com carinho e
responsabilidade. O alcaide, o juiz, o padre e o delegado, em razão de suas
condutas ilibadas, eram amados e respeitados.
Na escola, berço do conhecimento,
o diretor, o inspetor e os professores, eram rigorosos na disciplina do ensinar
e do aprender. Uniforme impecavelmente passado, horário britânico para entrada
e saída, tarefas extras para casa, ensino e respeito aos hinos e símbolos nacionais,
amor e respeito ao corpo docente e aos colegas, eram regras básicas a serem
seguidas. Tudo aquilo era precedido da obediência irrestrita aos pais. Porque o
lar era, antes de tudo, a primeira noção de sociedade.
Depois da aula, os filhos
acompanhavam os pais nos afazeres do cotidiano e ali aprendia que se comia com
o suor do próprio rosto e não com o sangue e sacrifício alheio. As crianças
conviviam harmoniosamente entre si e não eram tragadas por uma enxurrada de
informações desconexas e perversas, trazidas na velocidade da luz, por fibras
óticas ou satélites intergalácticos. Os alimentos eram naturais, colhidos na
lavoura ou no quintal de casa. Por isso, a vida saudável, não era ceifada por
doenças enlatadas. Era lindo de se ver o amanhecer e o entardecer naquele meu
rincão longínquo e tranquilo. Tínhamos orgulho de sermos chamados de caipira.
A grade da pequenina cela da
cadeia vivia escancarada, porque a violência morava muito longe da minha terra
natal. De vez em quando, os meganhas levava um bêbado arruaceiro, para curar a
ressaca ali. O carcereiro era um cachorro magricelo e vira-lata, que tinha
preguiça até de latir ou rosnar. A viatura era um fusquinha, carinhosamente
chamado de “Baratinha”, que vivia estacionado ao lado. Por falta do que fazer,
envelhecia na garagem, corroído pelo tempo.
As desavenças, fossem de boteco ou
conjugal, eram resolvidas com um pito do vigário e com isso, o delegado não
passava de uma figura decorativa. Naquele tempo, as tragédias modernas não
faziam ninho ali. Não se gastava uma pataca com pessoas neuróticas e nem com
pessoas presas, porque gente desse tipo nascem de famílias desestruturadas,
escolas em decadências e igrejas que só se preocupam, em vender a salvação.
Hoje, o que se vê depois das grandes
tragédias anunciadas é uma legião de “ólogos” de plantão. Todos trazem no alforje,
longas e cansativas teorias sobre o porquê do início e da existência do caos,
para, depois, apresentarem soluções mirabolantes com a finalidade de sangrar e
curar definitivamente o problema. Dormem em cima de suas filosofias insanas e
sonham com um mundo surreal. Assim agem, para fugirem de suas obrigações
primitivas de evitarem uma tragédia anunciada.
Os ”òlogos” de que tanto falo, são
os psicólogos, musicólogos, tarólogos, sexólogos, achólogos, teólogos,
arqueólogos, ufólogos, biólogos, sociólogos, tecnólogos, antropólogos, futurólogos
e todos os “ólogos”, que existem ou que caibam no nosso humilde dicionário da língua
portuguesa. Deus me livre desses demagogos. Amém, para você também!
Peruíbe SP, 15
de março de 2019.
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