O
FEIJÃO E A CRISE
Adão de Souza
Ribeiro
Sou de um tempo em que a palavra tinha
peso e valor. O fio de bigode valia mais que nota promissória. O homem deixava
de comer, para honrar os seus compromissos. No armazém do seu Takada, o crédito
dos clientes, era anotado numa caderneta. No final do mês, lá estava o cliente
“passando a régua”, o que muito alegrava o comerciante.
Passou-se o tempo e com ele, marcas
indeléveis na minha vida. Lembro-me que as moçoilas, caminhavam faceiras em
volta do coreto da praça, com seus vestidos de chita e chuquinha no cabelo. O
jardim todo florido, em torno da igreja matriz, tinha o desenho da natureza do
lugar. Os trotes compassados dos cavalos, pelas ruas descalças, diziam que a
vida não tinha pressa.
No lugarejo onde nasci nada acontecia por
acaso. As festas juninas retratavam o jeito simples de um povo sem vaidade. No
sábado, o povo da roça, vinha fazer a despesa da semana. As ruas pareciam um
mercado persa. Automóveis, cavalos arriados, carroças e charretes, cruzavam
pelas esquinas movimentadas. Não havia semáforo, mas respeito aos transeuntes,
idosos e crianças.
Nos bares, entre um trago e outro de
cachaça, os caipiras proseavam e contavam causos engraçados. De vez em quando,
uma briga transformava num espetáculo à parte. Quando a tarde ia chegando, os
roceiros iam embora e a cidade voltava a abraçar o silencio cotidiano. Passou-se
o tempo e com ele, a certeza de que um dia, tudo aquilo se transformaria em
saudade.
‘ Cresci
em meio às brincadeiras infantis, regadas com cantigas de roda e histórias
contadas pelos meus avós. Nas ondas simplórias de um rádio de válvulas, as modas
sertanejas cruzavam o céu do meu povoado. Quando me lembro de tudo aquilo,
brota uma lágrima solitária nos meus olhos de eterno saudosista.
Já naquele tempo, o meu pai, um homem
pouco letrado, porém, de uma sabedoria incontestável, já falava das dificuldades
da vida. Reclamava do governo e previa um futuro sóbrio. Criticava o abandono
da agricultura e nos alertava para economizar centavo por centavo. Por ser
criança, não entendia a sua filosofia de caboclo. Hoje, num tempo tardio,
queria ele por perto, para beber o mel da sua sabedoria. Não dá mais, pois ele
já partiu para a mansão do desconhecido.
O meu torrão de terra, era um lugar muito
festeiro. Pouca coisa alegrava meus conterrâneos. Lembro-me de um casamento grã-fino,
onde, depois do ritual no altar da igreja matriz, a festa rolou noite adentro.
Comes e bebes com fartura e não se sabia quem era convidado e quem era penetra.
A sanfona, acompanhada de uma viola “xonada”, animava os festeiros, com jeito
ou não para a dança.
Achava bonito quando o vigário recitava o
maçante compromisso dos noivos: “Eu te recebo como minha esposa (o) e prometo
ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, todos os dias da minha vida”. A troca de alianças e beijo
oficial, fechando com chave-de-ouro o ritual do compromisso eterno. A noiva
toda de branco, representando a pureza e o noivo num terno engomado, com a
gravata apertada e suando frio.
Fico imaginando o casamento do arroz e do
feijão, no altar do prato do brasileiro. Esse casal da tradição brasileira, que
transpôs a barreira dos anos, não conseguiu vencer a batalha de um desgoverno. No
final, ao recitar o ritual do enlace matrimonial, disse o feijão para o arroz: “Eu te
recebo como minha esposa e prometo ser-te fiel e respeitar-te, na alegria e a
tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida, até que a crise
nos separe”.
Peruíbe SP, 09 de julho
de 2016.
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