sexta-feira, 3 de maio de 2013

A LEI E A REALEZA

          Conta a lenda que, ainda na infância, a nossa rainha criava um porquinho de estimação. Os moradores e os frequentadores do palácio, achavam por demais estranho aquele hobby da princesa - quando criança, ostentava esse título. Mas ninguém criticava ou caçoava, pois temiam a raiva do Conde de São Bernardo, genitor dela. Embora estranho, era muito engraçado a forma como cuidava do bichinho.
          O nome carinhoso dado a ele, por sugestão do príncipe André, do Reino do Faz de Conta, era "Torresmo". Recebia todos os cuidados dos serviçais da corte e um carinho desmedido da rainha. Quando ela estava fora do reino, em representações internacionais, disponibilizava ao suíno, um aparato de mordomias, de causar inveja aos miseráveis que caminhavam pelas ruas da pobreza.  Volta e meia, o xodó do reino, aparecia nas manchetes dos tabloides e isso causava indignação à monarca.
         Um dia, de tanto amor, a rainha promulgou uma lei, aprovada pela Câmara dos Comuns, capitulando como crime maltratar e/ou abater, em qualquer parte do reino, a espécie Scrofa de Sus, nome cientifico do querido "Torresmo". Os primeiros insurgentes, famintos por carne suína, foram levados ao cadafalso e receberam o peso da guilhotina. Graças a Torresmo, o porco passou a ser considerado sagrado no Reino Caiçara, assim como a vaca, era na Índia.
          Em todas as províncias, os obedientes súditos de vossa majestade, embora sentissem saudades da feijoada, da bisteca, do torresmo, do chouriço, do sarapatel e outras tantas quinquilharias, obedeciam piamente a determinação real. Com passar do tempo, esculpia-se estátuas, pintava-se quadros, confeccionava-se suvenir com a imagem do porco. Torresmo tornou-se a estrela maior no reino.
          Nas comemorações oficiais, lá estava Torresmo desfilando garbosamente numa carruagem feita exclusivamente para ele. Dividia com a corte, as atenções de todos os súditos. As crianças, nutriam uma admiração e um respeito enorme pelo suíno mais famoso de todas as províncias. Não foi apenas o decreto real que tornou tão amado, mas o jeito dócil de  comportar e de relacionar com os humanos. Nos livros de história nacional, haviam um espaço reservado a ele, onde se descrevia sua vida desde o nascimento, recheado de fatos reais e de lendas.
          O tempo passou, a princesa cresceu e tornou-se rainha. Na mesma proporção, Torresmo saiu da infância, passou pela juventude e desembocou na fase adulta. As tradições e os costumes da corte, nada maduram e, também, em nada foi alterado o amor e o respeito por Torresmo. Nunca antes, na história daquele país, um animal foi tão amado e respeitado. Alguns asseclas do reino, tinham uma inveja imensa dele, mas não se manifestavam, com medo da ira da rainha.
          Certa feita, Torresmo fugiu por entre as muralhas, sem que se percebesse. Ao darem por falta do nobre suíno, houve um desespero geral. Ao entrar em pânico, a rainha determinou uma busca incansável, convocando uma força tarefa, visando a localização do nobre suíno, isto é, Vossa Alteza Real, o Torresmo. A policia-secreta, o exército, a guarda-real, bem como, os obedientes súditos do reino, não mediram esforços para repatriar o fugitivo. 
          A imprensa noticiava a todo instante, em edição extraordinária, os resultados das buscas e o estado de saúde de Vossa Majestade. Houve uma reação e uma comoção nacional, uma união de todos e uma corrente de oração. Quando da localização de Torresmo, depois de dias de buscas, a monarca decretou feriado nacional, para se comemorar o reencontro tão esperado.
          Mas um dia, durante uma festa tradicional, no salão de festas do palácio, fora servido à mesa, um assado de leitão. Todos os convivas deliciavam daquele banquete, regado a bebida importada e muito sorriso descontraído. A rainha, embora mantivesse a postura séria e introvertida, inerente ao cargo, rasgava nos dentes, sem muita cerimônia, aquela carne saborosa, temperada com as melhores especiarias vindas da India. Os mordomos e garçons, não deixavam o prato da rainha, vazio.
         Mas não perceberam que, dentre os convidados, estava Sir Antony Charles Hafud, representante internacional da UIPA - União Internacional Protetora dos Animais. Não tardou para que ele, de forma discreta, cobrasse dos serviçais, aquele afronta animal. Como pode a monarquia transgredir uma lei sancionada pela própria rainha? Por isso, fora convocado extraordinariamente pela monarca, para dar explicações, o Ministro do Meio Ambiente.
         Ainda ali na mesa, tentando livrar-se de uma corte internacional, num papel toalha, com redação de próprio punho, a rainha revogou a lei por ela decretada. O banquete seguiu seu curso normal, porém, custou a cabeça do Ministro de Meio Ambiente, o qual foi exonerado "ex-oficio". Para desgraça de Torresmo, deixou de ser a estrela-maior da corte. Perdeu todas as mordomias que lhe eram de direito, por culpa do mestre de cerimônias, que não alertou os acessores - puxa-sacos-, sobre a inconstitucionalidade da lei.
          Algo semelhante ocorreu num reino vizinho, onde, por um deslize da Ministra do Transporte, o carro oficial do Principe de Jangada, foi multado em razão de haver estacionado irregularmente em local não permitido. O principe revogou a lei, sugestionada pela Ministra e ela, recebeu como recompensa pela sua incompetência, a demissão de tão nobre cargo.
          Ao observar os factóides da corte, penso: "A lei, ora a lei!".
 
Peruibe SP, 04 de maio de 2013

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