sexta-feira, 7 de março de 2025

 

O LEITEIRO

Adão de Souza Ribeiro

 

                       

Era bem assim. Todos os dias e bem de manhazinha, puxada pela égua Malhada, a carroça desfilava pela cidadezinha. Conduzida pelo “seo” Hermininho, parava de casa em casa e entregava aos compradores o litro de leite “ in natura”.

Mas não era um leite qualquer e, sim, aquele ordenhado com muito carinho das vaquinhas, que eram criadas no sitio, vizinho cidade. Ainda de madrugada, num ritual sagrado, ele e Pedrinho, o filho mais velho, ordenhavam as vaquinhas. E, enquanto isso, as filhas gêmeas Marivalda e Marinalva enchiam os litros e acomodavam na carroça. Eram para mais de cem.

Certa feita, fui assistir o laborioso trabalho matutino. Primeiro, amarrava-se o rabo junto com as pernas, fim de evitar lambadas no rosto e algum coice. Depois colocava-se o bezerro para dar as primeiras mamadas. Se assim não fizesse, a vaca não liberava o leite, pois tinha que sentir o cheiro da cria. Ao final era deixado um pouco no úbere, destinado ao filhote.

Já na cidade, Malhada parava na casa de cliente por cliente e nem precisava o comando do dono. Ele, por sua vez, deixava 0 litro defronte a porta da sala do cliente, que ainda estava fechada. Ninguém mexia. Como no horário britânico, minha mãe apanhava o leite e botava para ferver. Depois, colocava café, acompanhado de uma fatia de pão com manteiga e servia aos sete filhos. Ao fim do dejejum, os rebentos rumavam para o grupo escolar ”José Belmiro Rocha”.

As casas ainda dormiam, quando a carroça despontava no início da rua. Era bonito de se ver, o brilho nos olhos de Malhada, por servir as crianças do lugarejo. O reforço do alimento viria no grupo escolar, quando, no recreio, era servido leite achocolatado com bolacha ou canjica com legumes diversos. Comiam com tanto gosto, de lamber o beiço.

No “Bar do Toshio”, depois de um certo tempo, passou a ser vendido leite em saco plástico. Sei que não tinha o mesmo sabor e parecia água. Dizia que era industrializado. Coisas da modernidade, pois o que interessava era quantidade e não qualidade. Do bar, comprava-se apenas o pão, que, por sinal, era muito gostoso.

Quando descrevo essa história, resgato do passado a imagem do sinal das patas da Malhada e das rodas da carroça, deixadas nas ruas de chão batido. Eu lembro dos meus irmãos, ao redor da mesa, tomando o café da manhã, servido carinhosamente por nossa mãezinha. Na lembrança, vem o cheiro do leite caseiro, coisa que o tempo não esfriou.

Do “seo” Hermininho, trago a imagem de um homem baixo e franzino, com a coragem de um leão. Ao rever a cidade da infância, sinto que a casa e a rua, choram de tristeza, ao lembrarem da carroça cheia de leite, que há tempos não passa por ali. Hoje, na cidade grande, ao tomar o leite industrializado, sinto o cheiro e o gosto do leite, vendido pelo “seo” Hrmininho. Eu vejo a carroça, com a Malhada, parada na frente de casa. Corro para vê-la. Meu Deus, mas é só fruto da imaginação!

Na porta de casa, está o litro vazio, esperando o litro cheio de lembranças saudosas e afetuosas, para nunca mais!

Peruíbe SP, 07 de março de 2025.

 

 

3 comentários:

looslim@gmail.com disse...

Parabéns Adão por nos recordar de tempos já tão distantes. Consigo enxergar tudo o que descreveu com nitidez. Abraços

Cida Roza disse...

Passeei pelas ruas da cidade, seguindo a Malhada. Descreveu de forma clara e simples, com detalhes preciosos.

JOSÉ CONTRERAS CASTILHO disse...

Querido Adão.
Lembrei de minha infância e do som da buzina do leiteiro e sua charrete!
Você é um excelente contador de "causos!"