O LEITEIRO
Adão de Souza Ribeiro
Era bem assim. Todos os
dias e bem de manhazinha, puxada pela égua Malhada, a carroça desfilava pela
cidadezinha. Conduzida pelo “seo” Hermininho, parava de casa em casa e entregava
aos compradores o litro de leite “ in natura”.
Mas
não era um leite qualquer e, sim, aquele ordenhado com muito carinho das
vaquinhas, que eram criadas no sitio, vizinho cidade. Ainda de madrugada, num
ritual sagrado, ele e Pedrinho, o filho mais velho, ordenhavam as vaquinhas. E,
enquanto isso, as filhas gêmeas Marivalda e Marinalva enchiam os litros e
acomodavam na carroça. Eram para mais de cem.
Certa
feita, fui assistir o laborioso trabalho matutino. Primeiro, amarrava-se o rabo
junto com as pernas, fim de evitar lambadas no rosto e algum coice. Depois
colocava-se o bezerro para dar as primeiras mamadas. Se assim não fizesse, a
vaca não liberava o leite, pois tinha que sentir o cheiro da cria. Ao final era
deixado um pouco no úbere, destinado ao filhote.
Já
na cidade, Malhada parava na casa de cliente por cliente e nem precisava o
comando do dono. Ele, por sua vez, deixava 0 litro defronte a porta da sala do
cliente, que ainda estava fechada. Ninguém mexia. Como no horário britânico,
minha mãe apanhava o leite e botava para ferver. Depois, colocava café,
acompanhado de uma fatia de pão com manteiga e servia aos sete filhos. Ao fim
do dejejum, os rebentos rumavam para o grupo escolar ”José Belmiro Rocha”.
As
casas ainda dormiam, quando a carroça despontava no início da rua. Era bonito
de se ver, o brilho nos olhos de Malhada, por servir as crianças do lugarejo. O
reforço do alimento viria no grupo escolar, quando, no recreio, era servido
leite achocolatado com bolacha ou canjica com legumes diversos. Comiam com tanto
gosto, de lamber o beiço.
No
“Bar do Toshio”, depois de um certo tempo, passou a ser vendido leite em saco
plástico. Sei que não tinha o mesmo sabor e parecia água. Dizia que era
industrializado. Coisas da modernidade, pois o que interessava era quantidade e
não qualidade. Do bar, comprava-se apenas o pão, que, por sinal, era muito
gostoso.
Quando
descrevo essa história, resgato do passado a imagem do sinal das patas da Malhada
e das rodas da carroça, deixadas nas ruas de chão batido. Eu lembro dos meus irmãos,
ao redor da mesa, tomando o café da manhã, servido carinhosamente por nossa
mãezinha. Na lembrança, vem o cheiro do leite caseiro, coisa que o tempo não
esfriou.
Do
“seo” Hermininho, trago a imagem de um homem baixo e franzino, com a coragem de
um leão. Ao rever a cidade da infância, sinto que a casa e a rua, choram de tristeza,
ao lembrarem da carroça cheia de leite, que há tempos não passa por ali. Hoje,
na cidade grande, ao tomar o leite industrializado, sinto o cheiro e o gosto do
leite, vendido pelo “seo” Hrmininho. Eu vejo a carroça, com a Malhada, parada
na frente de casa. Corro para vê-la. Meu Deus, mas é só fruto da imaginação!
Na
porta de casa, está o litro vazio, esperando o litro cheio de lembranças saudosas
e afetuosas, para nunca mais!
Peruíbe SP, 07 de março de 2025.
3 comentários:
Parabéns Adão por nos recordar de tempos já tão distantes. Consigo enxergar tudo o que descreveu com nitidez. Abraços
Passeei pelas ruas da cidade, seguindo a Malhada. Descreveu de forma clara e simples, com detalhes preciosos.
Querido Adão.
Lembrei de minha infância e do som da buzina do leiteiro e sua charrete!
Você é um excelente contador de "causos!"
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