segunda-feira, 10 de março de 2025

 

DONA FULÔ

Adão de Souza Ribeiro

                           Maria Florisbela dos Prazeres ou “Dona Fulô”.

                        Assim era conhecida lá por aquelas bandas, como a mulher mais bela do lugarejo. Ao nascer, as primeiras visitas diziam: “Nossa, que anjinho lindo!”. Por isso, carregava desde a tenra infância, a sina de ser a mais doce e a mais bela. Certo é que aquilo não a incomodava.

                        Já na infância, causava ardor aos meninos do grupo escolar, pois, na hora do recreio, todos queriam estar perto dela. As meninas, por sua vez, sentiam uma ponta de ciúmes. Via-se nelas, uma ponta de inveja. Fulô tinha uma grande virtude, isto é, tratava todos com respeito e carinho, mas nunca se vangloriou de seus predicados.

                        Na adolescência, ao andar pelas ruas descalças do lugarejo, os homens ao se depararem diante de um corpo escultural, fitavam-no e babavam feito crianças. Ela era morena, olhos esverdeados, rosto delicado, lábios sensuais, voz aveludada, cabelos negros e longos. Era uma beldade e um presente da natureza.

                        Também tinha um corpo escultural, isto é, cintura de violão, ancas bem desenhadas, pernas torneadas e os seios pareciam duas taças de vinho. Confesso que até eu tive lá as minhas recaídas, com a presença daquela fêmea tão desejada. 

                            Diante dela, os cachaceiros tomavam dose a mais da marvada pinga, os churrasqueiros deixavam queimar a picanha, o coveiro largava a sepultura aberta, o cantor trocava a letra e a melodia, o frentista vazava o combustível. o cowboy fazia o cavalo alazão trocar o trote e os meninos apressarem a puberdade. O seu rebolado seduzia até o sambista Sargenteli, o homem das multas dançarinas.

                        Conta a lenda, que até o santo padre octogenário, errava a contagem do terço, quando ela entrava na igreja, no meio da missa. O vigário murmurava consigo: “Meu Deus, que tentação de mulher!”. Já as beatas, sentadas na primeira fila, se entreolhavam e diziam: “O que essa quenga veio fazer neste lugar tão sagrado?”.  

                        Por falar em quenga, conta ainda a lenda que numa noite de domingo, no jardim da praça matriz, quando estava repleta de conterrâneos e conterrâneas, “dona Fulô”  desceu dos tamancos, coisa que nunca fizera antes. Maria das Graças, uma fofoqueira juramentada, sem motivo algum, a humilhou na frente de todos, chamando-a quenga sem qualidade.

                        Sem titubear, “dona Fulô” deu-lhe um sopapo no pé do ouvido, que ela foi ao solo. Retrucou "dona Fulô": "Por que quenga, se eu nunca desrespeitei ou maltratei alguém?". De lá para cá, Maria das Graças, a fofoqueira juramentada, passou a frequentar o consultório de um médico otorrinolaringologista, a fim de cuidar da parcial surdez, adquirida e não hereditária.

                        Naquela cidadezinha interiorana, todos os homens de posse ou não, belos ou não, sonhavam em despojar a “dona Fulô”. Ela tinha todas as medidas certas, para ser a ideal esposa, mãe e dona de casa. Eu mudei-me da Terrinha ainda na adolescência, por isso, não sei se algum conterrâneo teve tamanho privilégio.

                        Como os anos se passaram depois que deixei o meu torrão natal, a “dona Fulô” é hoje a querida e amada “vovó Fulô”. Será que as mãos pesadas do tempo, deformaram o corpo e a beleza dela? Eu espero que não. Enquanto dissertava sobre este causo real ou pitoresco, quase declinei o sobrenome dela. Pecado mortal. Tempos atrás estive lá, procurei e não a encontrei. Os moradores atuais, não sabem quem é Maria Florisbela dos Prazeres, a “dona Fulô”, uma mulher culta, bela e elegante.

                        Mas eu sei e isso é o que importa.

Peruíbe SP, 10 de março de 2025.

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