DONA
FULÔ
Adão de Souza
Ribeiro
Maria
Florisbela dos Prazeres ou “Dona Fulô”.
Assim era conhecida lá por aquelas bandas,
como a mulher mais bela do lugarejo. Ao nascer, as primeiras visitas diziam: “Nossa,
que anjinho lindo!”. Por isso, carregava desde a tenra infância, a sina
de ser a mais doce e a mais bela. Certo é que aquilo não a incomodava.
Já na infância, causava ardor aos meninos do
grupo escolar, pois, na hora do recreio, todos queriam estar perto dela. As
meninas, por sua vez, sentiam uma ponta de ciúmes. Via-se nelas, uma ponta de
inveja. Fulô tinha uma grande virtude, isto é, tratava todos com respeito e
carinho, mas nunca se vangloriou de seus predicados.
Na adolescência, ao andar pelas ruas descalças do
lugarejo, os homens ao se depararem diante de um corpo escultural, fitavam-no e
babavam feito crianças. Ela era morena, olhos esverdeados, rosto delicado, lábios sensuais, voz aveludada, cabelos negros e
longos. Era uma beldade e um presente da natureza.
Também tinha um corpo escultural, isto é, cintura de violão, ancas bem desenhadas, pernas torneadas e os seios pareciam duas taças de vinho. Confesso que até eu tive lá as minhas recaídas, com a presença daquela fêmea tão desejada.
Diante dela, os
cachaceiros tomavam dose a mais da marvada pinga, os churrasqueiros deixavam
queimar a picanha, o coveiro largava a sepultura aberta, o cantor trocava a letra e a melodia, o frentista vazava o combustível. o cowboy fazia o cavalo
alazão trocar o trote e os meninos apressarem a puberdade. O seu rebolado seduzia até o sambista Sargenteli, o homem das multas dançarinas.
Conta a lenda, que até o santo padre octogenário,
errava a contagem do terço, quando ela entrava na igreja, no meio da missa. O
vigário murmurava consigo: “Meu Deus, que tentação de mulher!”.
Já as beatas, sentadas na primeira fila, se entreolhavam e diziam: “O que
essa quenga veio fazer neste lugar tão sagrado?”.
Por falar em quenga, conta ainda a lenda que numa
noite de domingo, no jardim da praça matriz, quando estava repleta de
conterrâneos e conterrâneas, “dona Fulô” desceu dos tamancos, coisa que nunca fizera antes. Maria das Graças, uma
fofoqueira juramentada, sem motivo algum, a humilhou na frente de todos,
chamando-a quenga sem qualidade.
Sem titubear, “dona Fulô” deu-lhe um sopapo
no pé do ouvido, que ela foi ao solo. Retrucou "dona Fulô": "Por que quenga, se eu nunca desrespeitei ou maltratei alguém?". De lá para cá, Maria das Graças, a fofoqueira
juramentada, passou a frequentar o consultório de um médico otorrinolaringologista,
a fim de cuidar da parcial surdez, adquirida e não hereditária.
Naquela cidadezinha interiorana, todos os
homens de posse ou não, belos ou não, sonhavam em despojar a “dona Fulô”. Ela tinha todas as
medidas certas, para ser a ideal esposa, mãe e dona de casa. Eu mudei-me da Terrinha
ainda na adolescência, por isso, não sei se algum conterrâneo teve tamanho
privilégio.
Como os anos se passaram depois que deixei o
meu torrão natal, a “dona Fulô” é hoje a querida e amada “vovó Fulô”. Será que as mãos pesadas do tempo, deformaram o corpo e a beleza dela? Eu espero que não. Enquanto dissertava sobre este causo real ou pitoresco, quase declinei o sobrenome dela. Pecado mortal. Tempos
atrás estive lá, procurei e não a encontrei. Os moradores atuais, não sabem quem é Maria Florisbela dos Prazeres, a “dona
Fulô”, uma mulher culta, bela e elegante.
Mas eu sei e isso é o que importa.
Peruíbe SP, 10 de
março de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário