sexta-feira, 21 de março de 2025

 

O BERÇO

Adão de Souza Ribeiro

                        Nada nos conduz ao passado, como o berço de ninar bebê. Ele tem cheirinho de acolhimento e proteção. Lembro-me do berço de madeira maciça, onde eu e meus irmãos ficavam, quando nasciam. Ali dormitávamos, num sono tranquilo e angelical. Enrolados em panos brancos como a neve, colocados por nossa mãe, brincávamos como nossa imaginação.

                        No quarto, com pouca luz, mexíamos as pernas e os braços, como que descobrindo o movimento do corpo. Ao lado dele, sempre havia uma mamadeira com leite e outra com chá caseiro, feito de erva cidreira, camomila e poejo. A cada jeito de chorar, nossa mãe sabia o que sentíamos. Se era colo o nosso desejo, ela prontamente tirava dali e balançava por um longo tempo.

                        Estando lá na cozinha, com seus afazeres domésticos, tinha sempre uma antena ligada. Bastava ouvir o choramingar do bebê, ela corria para o quarto, a fim de ver o que estava acontecendo. Ao término da mamadeira, colocava o bebê de lado para ele golfar e não engasgar. As fraldas eram feitas à mão e não compradas em lojas, por mães preguiçosas.

                        Só o berço pode proporcionar, momentos de encanto e ternura. Ali recém-nascidos e vestidos de pureza, podemos sonhar com um mundo livre de maldades e pecados. Ele é, antes de tudo, um santuário sagrado. O berço de que falo, acolheu os sete filhos de meus pais, duas netas e um bisneto.

                        Minha mãe não permitia aglomeração de pessoas no quarto, a fim de evitar mau olhado, onde o nenê ficava agitado e pudesse adoecer. Quando isso acontecia, chamava dona Severina, renomada curandeira, para fazer benzeção e purificar o ambiente. Tudo isso, para proteger o herdeiro.

                        Até hoje, o berço continua no canto do quarto, aguardando a chegada de um novo bebê, para acolhê-lo com afeto e alegria. A sua madeira maciça, o tempo não conseguiu destruir. Ela é tão forte, como o amor imensurável, que eu sinto por ele e nem mesmo o tempo vai apagar.

                        Não me causa surpresa, ao saber que a Pátria Amada dormiu naquele berço. Veja o que diz a letra do Hino Nacional Brasileiro: “Deitado eternamente em berço esplêndido”. E é por isso, que me orgulho dele. Ao contemplá-lo, vejo o quanto ele faz parte da minha vida e da minha história. Quem dormiu naquele berço é um privilegiado.

                        À noite, enquanto todos dormiam, lá estava a mãe ao redor do berço, cuidando do filho. Era a visão de uma santa, velando o sono do anjo. Era a visão de Maria, ao lado da manjedoura, velando o sono de Jesuscristinho.

                        A modernidade cobra um alto peço, por isso, berço, eu jamais te esqueço!

 

Peruíbe SP, 21 de março de 2025.

segunda-feira, 10 de março de 2025

 

DONA FULÔ

Adão de Souza Ribeiro

                           Maria Florisbela dos Prazeres ou “Dona Fulô”.

                        Assim era conhecida lá por aquelas bandas, como a mulher mais bela do lugarejo. Ao nascer, as primeiras visitas diziam: “Nossa, que anjinho lindo!”. Por isso, carregava desde a tenra infância, a sina de ser a mais doce e a mais bela. Certo é que aquilo não a incomodava.

                        Já na infância, causava ardor aos meninos do grupo escolar, pois, na hora do recreio, todos queriam estar perto dela. As meninas, por sua vez, sentiam uma ponta de ciúmes. Via-se nelas, uma ponta de inveja. Fulô tinha uma grande virtude, isto é, tratava todos com respeito e carinho, mas nunca se vangloriou de seus predicados.

                        Na adolescência, ao andar pelas ruas descalças do lugarejo, os homens ao se depararem diante de um corpo escultural, fitavam-no e babavam feito crianças. Ela era morena, olhos esverdeados, rosto delicado, lábios sensuais, voz aveludada, cabelos negros e longos. Era uma beldade e um presente da natureza.

                        Também tinha um corpo escultural, isto é, cintura de violão, ancas bem desenhadas, pernas torneadas e os seios pareciam duas taças de vinho. Confesso que até eu tive lá as minhas recaídas, com a presença daquela fêmea tão desejada. 

                            Diante dela, os cachaceiros tomavam dose a mais da marvada pinga, os churrasqueiros deixavam queimar a picanha, o coveiro largava a sepultura aberta, o cantor trocava a letra e a melodia, o frentista vazava o combustível. o cowboy fazia o cavalo alazão trocar o trote e os meninos apressarem a puberdade. O seu rebolado seduzia até o sambista Sargenteli, o homem das multas dançarinas.

                        Conta a lenda, que até o santo padre octogenário, errava a contagem do terço, quando ela entrava na igreja, no meio da missa. O vigário murmurava consigo: “Meu Deus, que tentação de mulher!”. Já as beatas, sentadas na primeira fila, se entreolhavam e diziam: “O que essa quenga veio fazer neste lugar tão sagrado?”.  

                        Por falar em quenga, conta ainda a lenda que numa noite de domingo, no jardim da praça matriz, quando estava repleta de conterrâneos e conterrâneas, “dona Fulô”  desceu dos tamancos, coisa que nunca fizera antes. Maria das Graças, uma fofoqueira juramentada, sem motivo algum, a humilhou na frente de todos, chamando-a quenga sem qualidade.

                        Sem titubear, “dona Fulô” deu-lhe um sopapo no pé do ouvido, que ela foi ao solo. Retrucou "dona Fulô": "Por que quenga, se eu nunca desrespeitei ou maltratei alguém?". De lá para cá, Maria das Graças, a fofoqueira juramentada, passou a frequentar o consultório de um médico otorrinolaringologista, a fim de cuidar da parcial surdez, adquirida e não hereditária.

                        Naquela cidadezinha interiorana, todos os homens de posse ou não, belos ou não, sonhavam em despojar a “dona Fulô”. Ela tinha todas as medidas certas, para ser a ideal esposa, mãe e dona de casa. Eu mudei-me da Terrinha ainda na adolescência, por isso, não sei se algum conterrâneo teve tamanho privilégio.

                        Como os anos se passaram depois que deixei o meu torrão natal, a “dona Fulô” é hoje a querida e amada “vovó Fulô”. Será que as mãos pesadas do tempo, deformaram o corpo e a beleza dela? Eu espero que não. Enquanto dissertava sobre este causo real ou pitoresco, quase declinei o sobrenome dela. Pecado mortal. Tempos atrás estive lá, procurei e não a encontrei. Os moradores atuais, não sabem quem é Maria Florisbela dos Prazeres, a “dona Fulô”, uma mulher culta, bela e elegante.

                        Mas eu sei e isso é o que importa.

Peruíbe SP, 10 de março de 2025.

domingo, 9 de março de 2025

 

VIDA DE SERTANEJO

Adão de Souza Ribeiro

O que gosta o sertanejo,

Tem lá na velha Terrinha,

Cidreira, hortelã e poejo.

 E os beijos da caboclinha.

 

As gostosas rodas de viola,

Goles da marvada cachaça.

Pés de manga e carambola,

Tardes de domingo na praça.

 

Lambari para pescar no rio,

Catira, forró de pé de serra

E na invernada, o boi bravio.

Lá há paz e não tem guerra.

 

As missas na igreja matriz,

A caça de codorna na mata.

Criança brincando muito feliz.

E na rua desfila a velha beata.

 

Fogão à lenha, comida da vovó

Já no São João, casório caipira.

Na mesa, mandioca e mocotó,

Lá no céu, de noite, a lua brilha.

 

Sertanejo e Terrinha, são casal.

Que nem o futuro jamais separa.

Diante do mais forte vendaval,

Amor tão lindo não se compara!

Peruíbe SP, 09 de março de 2025.

 

 

QUADRO NA PAREDE

Adão de Souza Ribeiro

 

Quadro pendurado na parede

Desenhado com tinta à óleo.

É o retrato da mãe natureza,

Que encanta os nossos olhos.

                                                                                        

Benditas são as mãos tão leves.

Que com as mais lindas cores.

A imagem suave como a neve,

Que brota na alma dos pintores.

 

Debruçada solitária sobre a tela,

A artista sonha com o universo.

De repente o lindo dom revela,

Bela pintura como é um verso.

 

Essa mulher talentosa é a Ana,

Ela é a filha da nossa Terrinha.

Que nenhum cidadão se engana

Brilha feliz, como a estrelinha.

 

O encanto da pintura no quadro

Confunde-se com a da pintora.

A exposição é do nosso agrado

Sou o fã da artista tão sedutora.

 

 

Peruíbe SP, 09 de março de 2025.

sábado, 8 de março de 2025

 

PORQUE, AMOR!

Adão de Souza Ribeiro

Porque fui querer,

Lá desde a infância.

Eu sonho com você

Mesmo à distância.

 

Lembrança tortura,

E não deixa em paz

Se isso é a loucura,

Oh Deus, tanto faz

 

Sua beleza divinal,

Me faz seu escravo.

Coração é vendaval

E o peito fica bravo.

 

Porque eu fui gostar

De você tanto assim

É a luz do meu luar

Tenha pena de mim!

 

Peruíbe SP, 08 de março de 2025.

sexta-feira, 7 de março de 2025

 

O LEITEIRO

Adão de Souza Ribeiro

 

                       

Era bem assim. Todos os dias e bem de manhazinha, puxada pela égua Malhada, a carroça desfilava pela cidadezinha. Conduzida pelo “seo” Hermininho, parava de casa em casa e entregava aos compradores o litro de leite “ in natura”.

Mas não era um leite qualquer e, sim, aquele ordenhado com muito carinho das vaquinhas, que eram criadas no sitio, vizinho cidade. Ainda de madrugada, num ritual sagrado, ele e Pedrinho, o filho mais velho, ordenhavam as vaquinhas. E, enquanto isso, as filhas gêmeas Marivalda e Marinalva enchiam os litros e acomodavam na carroça. Eram para mais de cem.

Certa feita, fui assistir o laborioso trabalho matutino. Primeiro, amarrava-se o rabo junto com as pernas, fim de evitar lambadas no rosto e algum coice. Depois colocava-se o bezerro para dar as primeiras mamadas. Se assim não fizesse, a vaca não liberava o leite, pois tinha que sentir o cheiro da cria. Ao final era deixado um pouco no úbere, destinado ao filhote.

Já na cidade, Malhada parava na casa de cliente por cliente e nem precisava o comando do dono. Ele, por sua vez, deixava 0 litro defronte a porta da sala do cliente, que ainda estava fechada. Ninguém mexia. Como no horário britânico, minha mãe apanhava o leite e botava para ferver. Depois, colocava café, acompanhado de uma fatia de pão com manteiga e servia aos sete filhos. Ao fim do dejejum, os rebentos rumavam para o grupo escolar ”José Belmiro Rocha”.

As casas ainda dormiam, quando a carroça despontava no início da rua. Era bonito de se ver, o brilho nos olhos de Malhada, por servir as crianças do lugarejo. O reforço do alimento viria no grupo escolar, quando, no recreio, era servido leite achocolatado com bolacha ou canjica com legumes diversos. Comiam com tanto gosto, de lamber o beiço.

No “Bar do Toshio”, depois de um certo tempo, passou a ser vendido leite em saco plástico. Sei que não tinha o mesmo sabor e parecia água. Dizia que era industrializado. Coisas da modernidade, pois o que interessava era quantidade e não qualidade. Do bar, comprava-se apenas o pão, que, por sinal, era muito gostoso.

Quando descrevo essa história, resgato do passado a imagem do sinal das patas da Malhada e das rodas da carroça, deixadas nas ruas de chão batido. Eu lembro dos meus irmãos, ao redor da mesa, tomando o café da manhã, servido carinhosamente por nossa mãezinha. Na lembrança, vem o cheiro do leite caseiro, coisa que o tempo não esfriou.

Do “seo” Hermininho, trago a imagem de um homem baixo e franzino, com a coragem de um leão. Ao rever a cidade da infância, sinto que a casa e a rua, choram de tristeza, ao lembrarem da carroça cheia de leite, que há tempos não passa por ali. Hoje, na cidade grande, ao tomar o leite industrializado, sinto o cheiro e o gosto do leite, vendido pelo “seo” Hrmininho. Eu vejo a carroça, com a Malhada, parada na frente de casa. Corro para vê-la. Meu Deus, mas é só fruto da imaginação!

Na porta de casa, está o litro vazio, esperando o litro cheio de lembranças saudosas e afetuosas, para nunca mais!

Peruíbe SP, 07 de março de 2025.

 

 

quinta-feira, 6 de março de 2025

 

LINDA PRISCILA

                                                                                                      Adão de Souza Ribeiro

 

Seu jeito de menina

E o corpo de fêmea

É o que me inspira

Escrever o poema.

 

Nos lábios, o sorriso

E o brilho no olhar

É disso que preciso

Alguém para amar.

 

Seios, duas taças

Que me encanta

Beleza, que graça

És mulher, és santa.

 

Os cabelos negros

Deslizam pela costa                 

Perturba o sossego

Que loucura, nossa!

 

A paz no seu rosto

Perfume da manhã

Com muito gosto

Quero ser seu fã!

 

Peruíbe SP, 26 de fevereiro de 2024

 

SOFIA OU CARMOSINA

Adão de Souza Ribeiro

Se eu amasse a Sofia,

Como amo Carmosina

Que bela a vida seria

Ter o corpo para mim.

 

Mas ela era tão bela

Maior beleza não havia

Que beleza era aquela

Que brilhava noite e dia.

 

Eu devia ser ousado

Declarado meu desejo

Agora é só passado

Vivo tal desassossego.

 

Ela tinha lindo sorriso

E um olhar tão sedutor

Até hoje eu aqui vivo

Sonhando com seu amor.

 

Eu era menino pobre

Perto sentia vergonha

Hoje o coração sofre

E de tristeza só sonha.

 

Peruíbe SP, 02 de março de 2024

 

A BORBOLETA

Adão de Souza Ribeiro

 

 

Uma linda borboleta

Pousou na minha janela

De fora ela espreita

A saudade da espera.

 

As asas tão coloridas

Num doce bailar

Saúdam a vida

Outro prazer não há.

 

Alegre veio me ver

Dar à casa mais encanto

Eu sou um novo ser

Com os olhos em pranto.

 

Borboleta chama Carmem

Que a poesia me inspira

E a felicidade, pasmem!

Ela é a Carmem Cenyra.

 

Peruíbe SP, 15 de fevereiro de 2024

 

 

 

 

CENAS DE GUERRA

Adão de Souza Ribeiro

 

Ela caminha e chora

Guerra, pano de fundo

É chegada a hora

De salvar mundo.

 

Ela chora pesarosa

Que sangra a terra

A lágrima, a rosa

A tristeza encerra.

 

A voz que se cala

E numa maior dor

A bomba na vala,

Sepulta linda flor.

 

Rastro de tristeza

Fica pelo caminho

O olhar sem beleza

Da pobrezinha.

 

Quando mundo acabar

Tudo será um vazio

Nem terra, nem mar

Nem floresta e nem rio.

 

Peruíbe SP, 25 de novembro de 2024

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